7 de maio de 2004

Eles não entenderam nada...
Kill Bill, o novo petardo de Tarantino, parece-me, terá vida curta nos cinemas brazucas. Mesmo em Sampa, dizem-me alguns amigos, deve sair logo de cartaz. Aqui em Beagá a reação não foi exatamente positiva. Ninguém entendeu a ironia e as citações a cultura pop mais descerebrada e divertida que os anos 60, 70 e 80 produziram, concentrando suas críticas e observações na violência do filme. Comecemos pelo editor João Paulo, que, no Estado de Minas, se perguntou o que aconteceria se Tarantino tivesse se dedicado a ler e ver coisas melhores quando era adolescente; segundo ele, estaria criando filmes muito melhores. É gente assim que vive dizendo que devemos valorizar os elementos da cultura popular, mas se esquiva quando vê cultura popular criada fora dos limites estreitos do Brasil e de suas concepções de sociologia. Ora, admitemos que, de uma forma ou outra, o cinema e a TV são indústrias de cultura de massa, portanto, popular. Uma vez vez aceito isto, o que há de errado num filme que brinca com estes elementos? Há em Kill Bill referências aos filmes de artes marciais do anos 70, aos animes (desenhos animados japoneses), e, claro, àquele jeitão meio pulp, deliciosamente trash e irreal que há no universo tarantinesco. Isso mesmo: irreal. O próprio Tarantino disse que tudo que escreve aprendeu não nas ruas (eu morro de rir quando leio isso; ele era um nerd atendente de vídeolocadora e consumidor voraz dos filmes de pancadaria de Sonny Chiba), mas nos cinemas. Ainda admite que seu primeiro filme, Cães de Aluguel (Reservoir Dogs) é inspirado num obscuro filme policial de Hong Kong.
Quem se impressiona com a acidez de seus personagens, que discutem sobre sanduíches antes de mandar para o céu um bando de moleques que tentou passar a perna no chefão local, aqueles que se aterrorizam com o sangue que jorra dos pedaços de japoneses que caem ao chão depois de devidamente fatiados pela Noiva, é porque não entendeu a piada. Mais uma vez, os comentários revelam mais sobre quem os diz do que sobre o filme. No mesmo Estado de Minas, numa reportagem pífia sobre a violência no cinema (aliás, o outro filme citado era A Paixão), uma psicóloga deu sua contribuição pessoal ao equívoco. Segundo ela, "colocaram uma branca para dar cabo de uma negra e uma japonesa, globalizaram a violência". Santo Deus! Agora Tarantino é porta-voz de uma suposta ultradireita histérica norte-americana que enfia mensagens subliminares da dominação dos branquelos do lado de cima nos filmes! Esta senhora passou dos limites do bom senso.
Mas, convenhamos que ela apenas aplicou ao que viu seus conceitos, interpretou de acordo com o filtro que tinha e a ignorância absoluta sobre o obejto analisado. Afinal, ela admite que foi ao cinema ("não saio de casa para ver um filme violento destes") apenas porque o marido leu e gostou da sinopse. Vejamos. O filme chama-se Kill Bill e a sinopse informa que uma mulher "quase assassinada" pelo marido às vésperas do casamento, volta do coma anos depois para se vingar. Ora, o que a senhora esperava encontrar? Uma adaptação de obra de Jane Austen? Um filme do Spielberg?
E é melhor eu ir logo assistir, antes que os mineiros corram com este filme dos cinemas. Como se não bastasse o atraso da distribuidora Lumiére (sete meses!!!!)...

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