30 de setembro de 2004

A Lista de Todas as Listas
Listas são sempre uma coisa complicada. Os 10 melhores contos brasileiros do século XXI, os 15 mais estúpidos participantes de reality shows, as 12 mais belas espécies de borboletas anãs de Papua Nova-Guiné, estas coisas. Enfim, desconfiado como sou dos programas oficiais de incentivo a leitura e educação, fui dar uma olhada na lista de livros selecionados para o programa Fome de Livro, que pretende espalhar bibliotecas públicas pela nossa terra nhambiquara. São 2016 títulos, pulverizados em várias editoras, com óbvia predominância das grandalhonas (Companhia das Letras, Record, Ediouro, Nova Fronteira...) e algumas menores aqui e ali. Se você tiver paciência de ler o calhamaço, este link da Associação Brasileira de Editores de Livros vai te trazer um arquivo de planilha do Microsoft Excel – é baixar e ler.
Claro, atraído pela estranha notícia comentada no blog Pró Tensão, de que nenhum título de sociólogo Gilberte Freyre foi selecionado, resolvi dar uma olhada na tal lista rapidamente.
De cara, descubro que Darcy Ribeiro foi contemplado com três livro, Frei Betto com um (sobre o místico cristão Teillhard de Chardin?) e Leonardo Boff comparece também com três. Levando em consideração que Boff afirmou, não lembro mais onde, que a evolução se deve ao comunismo biológico, porque os animais sociais levavam vantagem sobre os solitários, comecei a duvidar da tal seleção.
Mas, em resumo, a lista seguiu aquela bobagem de ser "dialética", o que, na cabecinha da maioria dos intelectuais, significa dar voz tanto à "esquerda" quanto à "direita" num mesmo documento ou trabalho. Vai entender. Não é uma seleção ruim pela rápida investigação que fiz, tem um bom número de autores cuja leitura deveria ser mesmo obrigatória – Machado de Assis, Marcel Proust, Graciliano Ramos, Dostoiéviski, Guimarães Rosa, Shakespeare, Tolstói, e por aí vai, os queridinhos de sempre. Tem até James Joyce, para gozo dos literatos modernos – a propósito, eu gosto de Joyce sim, e daí?
Enfim, vale citar as curiosidades da lista, que é algo muito mais divertido do que enumerar méritos e equívocos de mais uma lista de 2016 títulos. A falta mais sentida é de Karl Marx – nada de Capital nem Manifesto Comunista! Uma afronta a matrix, opa, "matriz teórica" dos intelectuais que elogiam nosso governo federal. Por falar neles, não tem Marilena Chauí também, mas tem Leandro Konder. Por outro lado, há a História do Cristianismo, do conservador Paul Johnson e Harold Bloom, outro costumeiramente classificado como da mesma turma de Johnson, está representado por seus três (belos) livros para "crianças extremamente inteligentes". Mas o que fará uma biblioteca lá de uma cidadezinha ardida pela seca de Pernambuco com a pérola Bolos – Preparos e Confeitos? Ah, se o Paulo Freire soubesse disso – e você acha que Pedagogia do Oprimido ficaria de fora? Ainda temos o milenar A Arte da Guerra, de Sun Tzu, e dois personagens antológicos dos quadrinhos: Mafalda, de Quino, e Tin-Tin, de Hergé.
Cabe uma perguntinha besta: Por que a lista inclui o Mahabahrata, um livro do Dalai Lama e Mitologia dos Orixás, mas nenhuma Bíblia? E por falar em religião, porque nada da ótima Karen Armstrong? Eu trocaria o livro de Tariq Ali, Confronto de Fundamentalismos, pelo Em Nome de Deus: As Origens do Fundamentalismo no Judaísmo, Cristianismo e Islamismo dela num piscar de olhos.
E, sim, procurei por "Lula" e veja o que encontrei: Lula – O Filho do Brasil, de Denise Paraná, publicado pela editora da fundação Perseu Abramo. Um tanto óbvio.
Só para encerrar: Crime e Castigo está creditado a Dostoicusky, que eu francamente não conheço.

23 de setembro de 2004

Porque me ufano do meu país... (eu disse ufano!)

Desde a primeira vez em que recebi esta bizarra mensagem, tive vontade de comentá-la - e olha que isso já tem uns bons anos. Não porque a achava boa, pelo contrário: além de duvidar da sua veracidade (escritora holandesa falando sobre o Brasil?), é um mistureba maluco de fatos verdadeiros, bobagens sem pé nem cabeça e mentiras deslavadas.
Segue a mensagem na íntegra, como foi publicada no fórum do GUJ - Grupo de Usuários Java , em itálico, e a cada trecho que considerei interessante enxertei meus comentários. Antes que alguém venha me dizer que estou sendo pessimista ou mainardista (você vai entender logo abaixo), leia com atenção e verá que enumero pontos, digamos, positivos, também.
A propósito, faça um favor a mim e a si mesmo: comente os meus comentários, mas deixe minha mãe de fora., ok? Nada pior do que receber xingo de patriota neurótico.
(Atenção: Este post concorre para o prêmio "Maior e Mais Ilegível Post Publicado em Blogs Brasileiros de 2004")

COMENTÁRIOS DE UMA ESCRITORA HOLANDESA SOBRE O BRASIL...
..."Os brasileiros acham que o mundo todo presta, menos o Brasil
realmente parece que é um vício falar mal do Brasil. Todo lugar tem seus
pontos positivos e negativos, mas no exterior eles maximizam os
positivos, enquanto no Brasil se maximizam os negativos.
Aqui na Holanda, os resultados das eleições demoram horrores porque
não há nada automatizado. Só existe uma companhia telefônica e pasmem!:
Se você ligar reclamando do serviço, corre o risco de ter seu telefone
temporariamente desconectando.

Antes de mais nada, está na hora de dizer que processo de apuração eleitoral informatizado não quer dizer maturidade democrática. Estamos na frente de muitos (ou todos) países nesta tecnologia, mas na democracia ainda falta um bom caminho (embora devemos confessar que também já evoluímos muito) a trilhar.
Pois é, no Brasil a telefonia só não é assim ainda porque foi privatizada e pulverizada. Não que o atendimento seja grande coisa também.

Nos Estados Unidos e na Europa, ninguém tem o hábito de enrolar o
sanduíche em um guardanapo - ou de lavar as mãos antes de comer.

E daí? Em quê isso nos torna melhores do que eles? E basta freqüentar qualquer copo sujo para ver que higiene na hora de comer não é lá um dos nossos fortes.

Nas padarias, feiras e açougues europeus, os atendentes recebem o dinheiro e
com mesma mão suja entregam o pão ou a carne. Em Londres, existe um lugar famosíssimo que vende batatas fritas enroladas em folhas de jornal - e tem fila na porta.

Você nunca foi a uma feira brasileira, foi? Ou acha que os atendentes usam luvas de látex aqui? Ou, ainda, acha que o atendente e o dono do açougue ou da barraca na feira não são a mesma pessoa?

Na Europa, não-fumante é minoria. Se pedir mesa de não-fumante, o
garçom ri na sua cara, porque não existe. Fumam até em elevador.

Verdade. A França é um inferno esfumaçado, dizem. Mas dizer "Europa" como se aquele amontoado de países num espaço menor do que o Brasil fossem uma coisa só é forçar a barra.

Em Paris, os garçons são conhecidos por seu mau humor e grosseria e
qualquer garçom de botequim no Brasil podia ir pra lá dar aulas de "Como
conquistar o Cliente".

Soube que em Florença é a mesma coisa. Neste quesito, conta a nosso favor nossa cultura do bar, do boteco e da cerveja. Além do quê, brasileiro é lerdo, mas o mínimo de capitalismo ele conhece: se não atende bem o cliente, fecha as portas na primeira semana.

Você sabe como as grandes potências fazem para destruir um povo?
Impõem suas crenças e cultura. Se você parar para observar, em todo
filme dos EUA a bandeira nacional aparece, e geralmente na hora em que
estamos emotivos.

Problema deles. Quem manda a gente cair neste truque besta?

Vocês têm uma língua que, apesar de não se parecer quase nada com a
língua portuguesa, é chamada de língua portuguesa, enquanto que as
empresas de software a chamam de português brasileiro, porque não
conseguem se comunicar com os seus usuários brasileiros através da
língua Portuguesa.

"Quase nada" é exagero. Como se um português e um brasileiro precisassem de intérpretes o tempo todo para se comunicarem.

Os brasileiros são vitimas de vários crimes contra a pátria, crenças,
cultura, língua, etc... Os brasileiros mais esclarecidos sabem que temos
muitas razões para resgatar suas raízes culturais."...
- Palavras de uma escritora holandesa, que já viajou pelos mais
comentados lugares do mundo, após recente temporada no Brasil.

Isso merece muito comentário, além do espaço deste blog. Fica para outra hora.

Os dados são da Antropos Consulting:
1. O Brasil é o país que tem tido maior sucesso no combate à AIDS e
de outras doenças sexualmente transmissíveis, e vem sendo exemplo mundial.

Verdade. Mas também é verdade que a AIDS por aqui se dissemina com rapidez e muita gente acha que não precisa se precaver porque terá ajuda do governo se ficar doente.

2. O Brasil é o único país do hemisfério sul que está participando
do Projeto Genoma.

E a Austrália? Bom, mas não apenas isso. Estamos entre os grandes na pesquisa genética de plantas e há até um curso de pós-doutoramento em genética aqui.

3. Numa pesquisa envolvendo 50 cidades de diversos países, a cidade
do Rio de Janeiro foi considerada a mais solidária.

Eu diria que, na média, o brasileiro é bem solidário, não apenas o do Rio de Janeiro.

4. Nas eleições de 2000, o sistema do Tribunal Regional Eleitoral
(TRE) estava informatizado em todas as regiões do Brasil, com resultados
em menos de 24 horas depois do início das apurações. O modelo chamou a
atenção de uma das maiores potências mundiais: os Estados Unidos, onde a
apuração dos votos teve que ser refeita várias vezes, atrasando o
resultado e colocando em xeque a credibilidade do processo.

Já comentei isso antes.

5. Mesmo sendo um país em desenvolvimento, os internautas
brasileiros representam uma fatia de 40% do mercado na América Latina.

Quanto a isso, não tenho dúvidas: Qualquer bobagem que aparece na internet terá a maciça participação de brasileiros. Vide o Orkut.

6. No Brasil, há 14 fábricas de veículos instaladas e outras 4 se
instalando, enquanto alguns países vizinhos não possuem nenhuma.

Ué, mas não somos o menos subdesenvolvido dos países da América Latina?

7. Das crianças e adolescentes entre 7 a 14 anos, 97,3% estão estudando.

Estudando mal e aprendendo mal. Vá lá ver o resultado do teste internacional de ensino Pisa 2000 e veja em que posição ficamos. Adivinhou? Isso mesmo, último. Nossos estudantes não sabem interpretar textos simples nem fazer contas elementares.

8. O mercado de telefones celulares do Brasil é o segundo do mundo,
com 650 mil novas habilitações a cada mês.
9. Na telefonia fixa, o país ocupa a quinta posição em número de
linhas instaladas.

Leia o que disse antes sobre o serviço de telefonia. Se não fosse a privatização e as metas impostas pelo nosso modelo, ainda seríamos um país em que telefone era investimento no nível de uma casa - lembra-se dos malditos Planos de Expansão das Estatais?

10. Das empresas brasileiras, 6.890 possuem certificado de qualidade
ISO-9000, maior número entre os países em desenvolvimento. No México,
são apenas 300 empresas e 265 na Argentina.

Não pesquisei os números atuais e nem sei se estes estão corretos, mas é fato que as empresas
daqui "correm atrás" de certificações de qualidade sim - o mesmo vale para os profissionais.

11. O Brasil é o segundo maior mercado de jatos e helicópteros executivos.

Se eu fosse um esquerdista recauchutado, eu até poderia dizer que isso é graças a desigualdade social do nosso país. Felizmente, pouparei meus leitores deste tipo de bobagem. O bom mesmo é lembrar a competência da Embraer, isto é um fato verdadeiro e inegável.

Por que vocês têm esse vício de só falar mal do Brasil?

Sei lá. Pergunta pro Diogo Mainardi. Ele vai te oferecer o próprio livro, Contra o Brasil, e você terá o mais completo guia de impropérios jamais ditos sobre este país - por gente como Darwin, Camus, Euclides da Cunha, etc.

1. Por que não se orgulham em dizer que o mercado editorial de
livros é maior do que o da Itália, com mais de 50 mil títulos novos a cada
ano?

A maioria absoluta é de livros didáticos. Mais: com a união entre as escolas e as editoras, dificilmente um livro é reaproveitado de um ano para outro. Se o brasileiro lê muito, só lê bobagem - como qualquer outro povo do mundo, mas em grau maior.

2. Que têm o mais moderno sistema bancário do planeta?

Pouca gente sabe disso. Mas sabe por que temos este fantástico sistema bancário? Porque nossa economia oscila de tal forma que apenas um sistema robusto e muito bem planejado sobreviveria a nós.

3. Que suas agências de publicidade ganham os melhores e maiores
prêmios mundiais?

Verdade. Somos bons mesmo nisso. Pena que na hora de vender o país lá fora, apelemos para os clichês de sempre: bunda, carnaval, bunda, mulheres, bunda, Amazônia e bunda.

4. Por que não falam que são o país mais empreendedor do mundo e
que mais de 70% dos brasileiros, pobres e ricos, dedicam considerável
parte de seu tempo em trabalhos voluntários?


Hummm... 70%? Sei não. Acho que uns 40% é que precisam de ser ajudados em trabalhos voluntários...
Empreendedores? Sim, somos. Mas não conseguimos crescer muito porque os impostos, a burocracia e a estupidez do Estado em oferecer condições mínimas para o registro de qualquer empresa de fundo de quintal soterram as ambições pessoais.

5. Por que não dizem que são hoje a terceira maior democracia do mundo?

Em quê? Número de habitantes, claro.

6. Que apesar de todas as mazelas, o Congresso está punindo seus
próprios membros, o que raramente ocorre em outros países ditos civilizados?

E o povo continua votando nos que "roubam, mas fazem"... Assim o que não vai faltar é político
para ser punido. Viva a nossa maturidade política!

7. Por que não se lembram que o povo brasileiro é um povo
hospitaleiro, que se esforça para falar a língua dos turistas, gesticula
e não mede esforços para atendê- los bem?

Verdade. E, mesmo assim, lucramos e investimos menos em turismo do que a minúscula França. Qual o nome disto, senão incompetência?

8. Por que não se orgulham de ser um povo que faz piada da própria
desgraça e que enfrenta os desgostos sambando.

O pior é que a gente se orgulha! E continua sambando, feliz e alegre da vida, enquanto o país continua patinando de lado para outro. Que bom, não é mesmo?

É! O Brasil é um país abençoado de fato.
Bendito este povo, que possui a magia de unir todas as raças, de todos os
credos !!!
Bendito este povo, que sabe entender todos os sotaques !!!
Bendito este povo, que oferece todos os tipos de climas para contentar
toda gente !!!
Bendita seja, querida pátria chamada BRASIL!!!

Que os anjos digam amém.

Divulgue esta mensagem para o máximo de pessoas que você puder. Com
essa atitude, talvez não consigamos mudar o modo de pensar de cada
brasileiro, mas ao ler estas palavras irá, pelo menos, por alguns
momentos, refletir e se orgulhar de ser BRASILEIRO!!!

Não envio mensagem ufanista, obrigado.
Precisamos é de gente que tenha bom humor para não se levar muito a sério, nem a uma mensagem como esta. Aliás, o que menos precisamos é deste ufanismo besta, este orgulho vazio. Há muito o que apoiar e muito mais o que criticar, e é só assim que esta terrinha botocuda, quem sabe, com alguma sorte, andará para frente.

20 de setembro de 2004

Porque Michael Moore é apenas mais um idiota
Michael Moore é o mais evidente porta-voz dos opositores do presidente norte-americano George W.Bush e sua notoriedade nunca foi tão grande quanto agora, em que filia seu nome ao de John Kerry e acaba de ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Antes de mais nada, repito o óbvio: Fahrenheit 9/11 não é documentário, é um panfleto político. Pior que isso: um panfleto ruim. Moore abusa de sentimentalismos e manipulações que parecem saídos dos porões da própria Washington que critica.

A filósofa, estudiosa e crítica de cinema francesa Laurence Hansen-Love qualifica o presidente Bush de “abominável”, mas nem por isso comunga do cinema-denúncia de Moore. Sua indignação com a premiação máxima do celebrado festival internacional francês a Fahrenheit 9/11 vai além do simples gosto pessoal. A pensadora acusa Moore de praticar a “arte do amálgama” num grau inédito, abusando de simplificações, atalhos, emoções fáceis e caricaturas para comprovar suas teses. “Michael Moore não nos fornece explicações convincentes ou elementos para tornar as coisas inteligíveis; ao contrário, seu propósito é uma confusão total. Ele nos faz rir, diverte, mas não colabora para que as pessoas reflitam e assumam suas responsabilidades. Ele degrada e despreza a política, e isso não nos faz avançar”, disse à Primeira Leitura.

Este é o trecho que destaquei do artigo Moore, o império do espetáculo contra-ataca, publicado pela revista e que você pode ler na íntegra clicando aqui.

18 de setembro de 2004


Da natureza íntima da arte
Em artigo na revista Bravo! intitulado Por que é tão difícil gostar de arte contemporânea, Rafael Cardoso, escreve:
"O maior obstáculo à apreciação mais geral da arte contemporânea reside no modo opaco e elitista como é apresentada ao público. A arte nem sempre precisa ser entendida, de maneira racional. Porém, precisa impactar os sentidos, de modo a atingir a emoção. A arte pode divertir, instigar, chocar, perturbar. Só não pode entediar, pois assim abre mão da possibilidade de transformar o espectador, que é sua meta maior."
Eu tenho dito isso por longos anos e nem todo mundo concorda, mas então me deparo com este artigo e vejo que - felizmente - não estou só.
O intelectual escriturário
Depois que você consegue se livrar dos clichês sociológicos tão comuns nesta terra, consegue enxergar, de longe, a maior das esquisitices que eles ignoram totalmente num puro e simples auto-engano.
Não há como negar o fascínio dos que sabem construir um elaborado discurso de oposição "a tudo que aí está" – seja lá o que isso for. É uma tentação incrivelmente perigosa a de associar "inteligência" apenas com "esquerda". Isto acaba por fechar aqueles que não resistem a este "pensamento único" num círculo de auto referências e bajulações do qual ele só sairá com muito trabalho intelectual e uma boa dose de bom senso e honestidade intelectual. Há inteligências notáveis em todos os lados, sem dúvida, e ler e ouvir a ambos é obrigação de qualquer um que deseja entender um pouco mais do mundo. A escolha política de um dos "lados", anterior a uma investigação intelectual das suas teorias e discursos é responsável pelos maiores desastres humanos do século XX – de Hitler a Stálin.
Dito isso, voltemos ao que eu deveria estar mesmo discutindo. Qa Jin, autor chinês do belo A Espera, afirma, em seu segundo livro publicado no Brasil, que, após a Revolução Cultural da Mao e sua trupe, todos os intelectuais do país (e, por extensão, do partido) são meros escriturários. Esta reflexão, simples demais, óbvia demais para não ser notada, contrasta com o som e a fúria com que alguns intelectuais (incluindo um grupo bem grande de meros militantes alçados a condição de intelectuais orgânicos, com toda a flexibilidade que o termo garante) defendem seus tão altos ideais. Pois é esta capacidade de se engajar em seus projetos de "mundo melhor" que os alimenta e a seus admiradores. Uma vez alcançados seus objetivos, o que farão estes sujeitos bravos e, não raro, arrogantes? Serão apenas os escriturários do partido, uma tropa de diligentes fiéis e imbecilizados por vontade própria. Quem duvida, que vá prestar atenção ao comissário (uma forma especial de escriturário de alta patente da antiga União Soviética) Valinov, personagem do excelente filme Círculo de Fogo, e seu destino quando percebe a inutilidade de sua trajetória. Infelizmente, a maioria não tem o mesmo lampejo.
Que alguém almeje a ser escriturário, já é algo que não consigo entender. Quando toda uma geração (na verdade, mais de uma) de intelectuais sonha em ser escriturária de um Estado ainda embrionário, o que temos é um desastre – pessoas inteligentes trabalhando noite e dia para ser quase nada num futuro utópico.

1 de setembro de 2004

Questão filosófica
Por que os comentários do blogger.com não querem funcionar aqui?
Sentido
Sou um capitalista comunista. Amo o capitalismo, mas como detesto os capitalistas!
De Fabio Danesi Rosi, autor do FDR e membro do Wunderblogs.com, que acaba de lançar seu livro Todas as Festas Felizes Demais.
Mea maxima culpa
A quantidade de erros que encontrei no penúltimo post, sobre Marshal Law e maquinações fálicas, foi de dar arrepios. Agora estou mais tranqüilo...