18 de janeiro de 2005

Will Eisner
Silenciosamente, a maioria das pessoas que entende de quadrinhos no Brasil recebeu a notícia num e-mail seco, num telefonema curto: Will Eisner morreu.
Lembro-me da impressionante desenvoltura com que ele conversou com centenas de garotos (alguns deles já adultos, não necessariamente eu) quando esteve aqui pela última vez, em 2001. A primeira coisa que ele disse eu não esqueci: pensava que Belo Horizonte fosse uma pacata cidade universitária e acabou encontrando uma metrópole. Ciceroneado pelo amigo Ziraldo, respondeu a um monte de perguntas, inclusive uma simplesmente impagável:
- Sr. Eisner, antes eu gostava de quadrinhos de super-heróis, mas ultimamente todos me parecem chatos e sem graça. O que mudou no mundo dos quadrinhos nos últimos anos?
Calmamente ele respondeu da forma mais simples e incisiva possível:
- Não, meu amigo, você é que cresceu.
Eisner era descendente de judeus, viveu na Nova York do início do século XX (exatamente enquanto Henry Ford distribuía cópias da fraude anti-semita Os Protocolos dos Sábios do Sião, que seriam objeto de uma das últimas obras de Eisner, disposto a acabar de vez com a estupidez deste livro) e suas obras incorporam elementos autobiográficos elevados a estatura da universalidade. Observador agudo dos homens, tinha pelos seus personagens um carinho incrível, mesmo que os metesse nas situações mais cruéis. Dizia que sua grande escola foram os clássicos da literatura, uma pequena verdade esquecida por quase todo escritor que deseja ser alguma coisa na vida e sai querendo ser "moderno". E que isso não significa acomodação, pelo contrário. O conhecimento de literatura e quadrinhos permitiu que Eisner revolucionasse o gênero, incorporando elementos cinematográficos e gráficos comparáveis aos que Welles usaria em Cidadão Kane, exercendo uma influência na arte seqüencial (termo cunhado pelo próprio) comparável a do japonês Osamu Tezuka. Em resumo: Eisner definiu a linguagem dos quadrinhos modernos.
Criou o conceito de graphic novel, num misto de genialidade comercial (algo que nunca lhe faltou, no início da sua carreira chegou a assinar com cinco pseudônimos diferentes para cinco editoras diversas) e amor pelos quadrinhos. Sua obra Um Contrato com Deus, é uma narrativa que passeia pela vida de dezenas de pessoas comuns num prédio de Nova York e é considerada sua obra-prima. Se você ainda não conhece Eisner e precisa apenas de uma obra para entender qual a sua importância, então fique com esta.

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