18 de março de 2006

De Damien Rice a Roupa Nova

Eu não sou músico, nem pretendo ser; sou absolutamente incapaz de dizer, racionalmente, em quê uma melodia é melhor ou mais bem trabalhada do que outra. Sou um ouvidor instintivo, portanto, meu gosto é uma mistura bizarra de erros e acertos - como o de qualquer pessoa medianamente normal. Por esta mesma razão, tenho aversões a coisas que muita gente boa considera muito boa. E gosto de músicas, conjuntos e cantores francamente estranhos ou tolos aos quais ninguém dá muita atenção.
Resumindo: presto mais atenção às letras. Daí que não consiga gostar de neo-sertanejo, pagode, axé e funk. Não é elitismo besta. É apenas rejeição a clichês repetidos até a exaustão e a predileção especial dos compositores destes estilos pelas metáforas de mau gosto ou, no caso do funk, ridículas mesmo. Claro que clichês podem ser trabalhados até parecerem originais e divertidos e o sujeito que consegue fazer esta mágica é um gênio. O problema é que a maioria não morre tentando - e tenta, tenta, tenta...
E, sim, tenho uma bronca com a banda Roupa Nova. O vocal é ótimo, a melodia é competente, os caras são profissionais, respeitam o seu público, fazem ótimos shows. Mas as letras, rapaz, uma tosqueira após a outra. Baba romântica a lá Sulivan e Massadas, por Deus. E como levar a sério uma banda que canta uma coisa dessas? Parece a descrição do Manimal no cio: "Eu só seguia meu instinto natural/Como um gambá, um guaxinim,/Um pato selvagem procurando calor,/Um urso no cio/Eu procurava amor". Tenha dó.
E finalmente chegamos em Damien Rice. Não sabe quem é? É o cantor/compositor que criou a canção de abertura do filme Closer (não assisti) e caiu nas graças da blogosfera brasileira. Mas eis que surgem Ana Carolina & Seu Jorge e Simone, assassinam Damien com duas versões xinfrins da belíssima "Blower´s Daughter" e fazem um baita sucesso, graças, em especial, a novela global das oito, que veicula a versão simonesca. Eu estava absolutamente alheio a confusão toda até ler este post do Inagaki, procurar a música na internet e ter que admitir: "Blower´s Daughter" é uma das melhores músicas que já ouvi. Quando, logo na segunda estrofe, explode o refrão "I Can´t take my eyes off you", você está fisgado, se lembra do que veio antes ("No love, no glory/No hero in her sky") e se descobre diante de um daqueles achados raros - beleza, muita tristeza, maturidade, uma certa ironia, a vida enfiada nuns poucos versos de uma canção.
Dá para entender a revolta com Seu Jorge & Ana Carolina. Como eles conseguiram escrever "É isso aí/Um vendedor de flores/Ensinar seus filhos a escolher seus amores", meu Deus? De Simone não se espera mesmo muita coisa - basta saber que ela conseguiu tornar amargo o panetone de todo brasileiro para se ter uma idéia do grau de ruindade de suas versões. E, pasmem, foi Zélia Duncan quem escreveu a besteira dela. A besteria de Ana e Jorge não tem explicação. Li que a música tocou em todo shopping no ano passado (para mim, música de shopping = música de elevador, não presto atenção, tudo parece Enya diluído em meia tonelada de água) e faz sucesso na novela (que não vejo), logo tornou-se insuportável.
Pena. "Blower´s Daughter" merecia sorte melhor. Nós também.

Fim de post: Também é verdade que bons letristas têm suas doses de bobajadas. Renato Russo cometeu isto. E também fez muito sucesso na trilha de uma novela. E é ruim, ruim de doer.

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