17 de setembro de 2005

Silêncio obsequioso

A principal razão para que um debate intelectual minimamente honesto no Brasil é quase uma impossibilidade (além, claro, da formação da maioria dos que se dizem “intelectuais”) reside na monstruosa partidarização do pensamento, característica genuinamente tupiniquim. A honestidade intelectual deveria conduzir o sujeito a um impasse que o impediria de associar-se a um partido em especial, porque não comungaria totalmente das idéias de nenhum deles. Ora estaria à esquerda da direita em algumas questões, ora à direita da esquerda. Ignorar estas ambigüidades e se filiar ou apoiar algum partido seria uma decisão puramente pessoal, não uma condição anterior às suas ambições intelectuais e muito menos medida de suas qualidades como intelectual.
No Bananão, acredita-se piamente que só existe inteligência à esquerda e que o Saci-Pererê existe. Depois de suar a camisa e adestrar os neurônios para entrar na universidade estatal, o sujeito compra o pacote completo do adesismo cego e trilha sua bem-sucedida carreira de “intelectual” pelo simples fato de estar ao lado da “galera do bem”. Leituras mal-feitas, professores militantes, equívocos repetidos à exaustão (ficou famoso o caso do professor ensinando que Marx grafava Kapital com letra maiúscula para reafirmar o poder e o domínio do capital sobre o homem até um aluno alertá-lo para o fato de a língua alemã fazer o mesmo com todos os substantivos...) e a coletividade a confirmar a excelência do mané, são os ingredientes necessários para a nossa falência como intelectuais.
Excluiu-se o debate, ou melhor dizendo, o embate de idéias. Sem um embate franco e feroz (não necessariamente mal-educado; brasileiro acha que ganha tudo no grito, mesmo estando errado; na terra de Pindorama mais vale a mentira vociferada do que a verdade polida), não há a menor possibilidade de uma vida intelectual representativa, atuante, que alimente a quem ouve, lê e participa.
Daí que estes “intelectuais em silêncio”, todos eles com seu séqüito de alunos e seguidores, colunas em jornais e revistas, onde não ficam um segundo sem repetir o mesmo discurso, não merecem mesmo ser ouvidos. Fossem honestos, estariam todos abandonando o barco do partido que apoiaram, e de forma ruidosa. Jamais imaginei dizer algo assim, mas certo estava Gabeira, quando deixou o PT depois de um chá-de-cadeira impingido por José Dirceu (aquele que diz não ser arrogante) e, depois, quando ainda encarou Severino.
Nossos intelectuais são escravos da sua escolha partidária e, graças a isso, a maioria perdeu a tão propalada honestidade por simples cegueira. Vivem num mundo próprio, alimentam os egos uns dos outros e parecem recusar-se a mergulhar na realidade que insiste, sabe-se lá o porquê, em chamá-los para pedir alguma opinião. Recentemente, a estrela da intelectualidade brazuca, Marilena Chauí, saiu-se com esta:

Nos últimos meses eu me perguntei: mas o que é que nós fizemos para sermos tão odiados? Nunca em toda a minha vida presenciei ódio igual a este. É uma coisa que faz perder a respiração. E eu sei hoje por quê: é porque nós fomos o principal construtor da democracia neste país. E não seremos perdoados por isso nunca.

Esta senhora não lê jornais (dominados pela burguesia, segundo ela), revistas (dominadas pela burguesia, segundo ela) nem assiste a TV (vade retro!). Se lesse, talvez pudesse se lembrar do ódio ao PSDB e FHC implantado pelo seu partido, em especial naquele desastrado final de segundo mandato. Talvez se lembrasse de que o seu partido barrou a reforma da previdência no tempo do “tucanato” só para aprová-lo no seu governo. Ou saberia que foi por pouco que o seu partido não apoiou Paulo Maluf para a presidência do país em 1985 por rejeição a Tancredo Neves. A democracia petista teria nos dado Maluf de presente. Ao menos, o país estaria cheio de túneis – entenda como quiser.
Mas, ao que parece, Marilena não lê sequer o que escrevem os seus companheiros de pensamento. Caso contrário, teria perdido a respiração com esta demonstração de graça e refinamento intelectual do sr. Emir Sader, em artigo defendendo a tese de que Severino é cria da “burguesia nacional e seu braço político, o PSDB” :

Severino sempre foi conhecido como corrupto. Mas era “their son of a bitch”, o corrupto – um dos tantos – de plantão no PSDB. Não serve mais e deve ser descartado. Outros aventureiros se candidatam a terem seus 15 minutos de glória. Como dizia o cartaz no casamento do filho de César Maia: “Não procriem”. É necessário castrar os tucanos, antes que povoem de novo o poder de Severinos.

Eu nem deveria comentar que, na vitória de Severino, a maioria dos votos veio da chamada “base aliada”, uma vez que a odiosa oposição burguesa de PSDB e PFL não chegava a metade dos votos recebidos pelo sujeito. Mas matemática é coisa de outro mundo para os pensadores do Bananão.
O tal silêncio dos intelectuais brasileiros não é um erro, desastre ou omissão – francamente, é um favor que eles nos farão, caso resolvam ficar calados. Se for para ler coisas assim, melhor mesmo que fiquem encastelados em suas universidades. E só voltem a falar quando houver um cenário de debate franco por aqui – ou seja...

Nenhum comentário: