1 de março de 2004

Uma notinha sobre o Oscar...
Do Cinema em Cena, Renato Silveira comenta, neste artigo, a estupidez da imprensa nacional na sua relação com o Oscar e o excelente filme Cidade de Deus.

Quanto a Cidade de Deus, é bom deixar claro uma coisa: o filme não perdeu nenhum Oscar. É irritante ver como a mídia brasileira trata as coisas depois de uma decepção. Logo após o fim da cerimônia, os principais veículos online nacionais traziam estampados na capa: “Cidade de Deus perde para O Senhor dos Anéis”. Creio eu que, para perder, é preciso primeiro possuir tal coisa. É algo que eu venho dizendo desde 2001, quando o fraco Abril Despedaçado era cotado para uma vaga na categoria Melhor Filme Estrangeiro e organizou-se uma torcida em volta dele: cinema não é futebol. Nem a própria Academia trata os indicados com tal desdém, tomando o cuidado de não anunciar “o vencedor é”, quando os envelopes são abertos. Também é curioso ver como as pessoas, de repente, passaram a ligar para o filme, sendo que há um mês ninguém esperava pelas indicações. Ora, já foi mais do que dito que essas nomeações valem muito para o cinema nacional, independente da conquista ou não do Oscar. Gostei de ver o bom humor de Fernando Meirelles quando os indicados a Melhor Direção foram anunciados. E quando o nome de Peter Jackson soou nos alto-falantes do Kodak Theatre, era nítida a expressão de Meirelles, como se dissesse: “Claro, todos já sabiam e ele merece mesmo, valeu estar aqui”. Desde que foi indicado, o diretor falava que não guardava expectativa de vencer. E o restante da equipe também tinha ciência de que Cidade de Deus estava ali como convidado de honra. Então, fica a pergunta: a quem especificamente é direcionado esse baixo astral nas manchetes? Aqui no Cinema em Cena, tomamos muito cuidado para não dizer “Cidade de Deus perde Oscar”, em nossa cobertura em tempo real. Pode até ser um detalhe semântico, mas é nisso que é baseada a comunicação. É vergonhoso, portanto, que esta parte da imprensa brasileira, que com as indicações elevou Cidade de Deus a glória de “melhor filme brasileiro já realizado”, agora o trate como um reles perdedor. Para nós, cinéfilos, o filme continua com seus méritos. Mas para os outros milhões de leitores, “o Brasil ficou sem nada mais uma vez”. E se fazem questão de usar o termo “perdemos”, digo: pelo menos, desta vez foi para O Senhor dos Anéis, e não para um embuste como Shakespeare Apaixonado.

Para quem não se lembra, o mediano Shakespeare Apaixonado venceu o excepcional O Resgate do Soldado Ryan.

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