15 de outubro de 2003

O Sumo Pontifice
Faz pouco tempo descobri que a palavra pontífice vem do latim pontifex (e é claro que eu, que entendo tanto de latim quanto de exobiologia estelar, posso estar redondamente enganado!), que significa "construtor de pontes". O lento ocaso do Papa João Paulo II esconde que ele e esta palavrinha têm mais em comum do que a cadeira que ele ocupa no Vaticano.
A Igreja talvez seja a mais odiada das instituições humanas, talvez ainda mais do que a própria família. Em contrapartida, é bem provável que jamais na História uma organização embuída da mais alta das missões sofreu Quedas tão vertiginosas. O papado foi um antro de todos os tipos humanos possíveis, de facínoras a santos. Esta fenomenal tensão entre a corrompida natureza do homem e a elevada missão que a Igreja tenta honrar é um dos maiores e mais fascinantes fatos do nosso mundo - condição que ela compartilha com todas as grandes religiões. E este papa que aí está, forte apesar da degeneração física visível, é provavelmente o maior responsável pela vitalidade de uma instituição que muitos deram como extinta neste século XXI. Não sei o que você pensa do Cristianismo ou da Igreja Católica, mas eis fatos que não podem ser negados.
João Paulo deu pernas e asas metálicas a missão de levar o Evangelho a todos (preciso dizer que a revolução do Cristianismo está no conceito de "amor universal"?), foi rígido, foi duro e incrivelmente suave, sentou-se ao lado de líderes de outras religiões e mesmo assim não se desviou da doutrina católico-cristã. Esta é a sua herança, por mais horrível que possa parecer a todos os contrariados. Sua vitória é a da idéia da religião e de seus representantes humanos como pontes entre este mundo e outro, de elevada estatura espiritual. Disse mais ou menos assim o mitólogo Joseph Campbell no seu Isto és Tu: Sempre que o sacerdote deixa de traduzir as metáforas de sua religião para seus fiéis, se atendo apenas a realidade social e política, os está traindo. Foi esta dimensão religiosa que João Paulo II tentou devolver a sua Igreja – e isto não é pouco. Não é por menos que combateu a esquisitice da Teologia da Libertação, tão famosa aqui no canto de baixo do mundo.
As mãos de muitos dos homens da Igreja esteve, está e estará invariavelmente suja, quem negará isto? João Paulo nos mostra novamente a tensão entre o homem desta terra e seu destino além deste mundo ao não esconder sua lenta e dolorosa degeneração. Paradoxalmente, acena com seu último ato, sua última mensagem de despreendimento físico e humildade diante do próprio Destino e sua missão.
Goste-se dele ou não, o homem é notável.

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