3 de agosto de 2003

Barbárie

Os irmãos Chapman, parte da chamada nova geração de artistas britânicos - aqueles da exposição "Sensations" - ,resolveram pintar rostos de macacos e palhaços sobre ilustrações originais de Goya. Não, você não leu errado; eles pintaram por cima da série "Desastres de Guerra", de Goya, que está, agora, permanentemente arruinada. Ao redor deste ato de estupidez "artística", voam os críticos idiotas que abaixam as suas cabeças para qualquer artistazinho "novo" que resolve "chocar o mercado", os empresários da área, ansiosos por patrocinarem nomes "quentes" e os que fingem entender alguma coisa, entupindo as galerias com seus comentários vazios. Toda esta gente pode gostar de se enganar. Eu não.
Artistas e empresários do meio se esquivam da questão, evocando a discussão sobre a propriedade das obras de arte (sim, os Chapman são os donos da série "Desastres de Guerra"), que não me interessa aqui. O que é realmente importante, ninguém tem coragem de admitir: a obra destes dois irmãos é pobre, ruim, burra. Ponto final.
Quase quatro anos atrás, escrevi uma carta-artigo que mandei a alguns amigos. Reproduzo trechos dela abaixo, e não mudo uma vírgula sequer:

Elogio da Banalidade
Ouvi, tempos atrás, o álbum Outsider, de David Bowie. Uma espécie de ópera ciberpunk de estranha sonoridade, o disco era acompanhado pelo diário de um certo Nathan Astler, detetive particular do século XXI. Especialista em casos escabrosos - rapto e assassinato de pessoas visando ao tráfico de seus órgãos para artistas plásticos. Ora, o que isso tem a ver com o artigo do caderno Pensar do Estado de Minas de um sábado modorrento, 24 de julho de 1999, intitulado Tempo de Ser Banal, de autoria do arquiteto e designer Paulo Laender?
O artigo trata do estado atual da arte, ou de sua ausência. Para tanto, outros três artigos são citados: Escândalos Artísticos, de Vargas Llosa, Chute Logo um Artista, de Diogo Mainardi e Fome de Bienal, dos articulistas do caderno. Vejamos as citações de citações. O que viu Llosa? "Chris Offil, de 29 anos, aluno do Royal College of Art, mostra suas obras sobre uma base de excremento de elefante solidificado... Outro escultor atulhou suas urnas de cristal com ossos humanos e até resíduos de um feto... Outra, intitulada 'Aceleração Zigótica', apresenta um leque de meninos andróginos cujos rostos são, na verdade, pênis eretos..." Diogo Mainardi:"Depois de visitar as obras dos 102 artistas de 59 países você sai com a certeza de que aquilo é puro charlatanismo(...) A americana Ann Hamilton resolveu apresentar um pozinho vermelho que cai das paredes. E daí? O francês Jean Pierre Bertrand enfileira cedros numa prateleira. E daí? A sensação predominante é de que os artistas gastam dez minutos para pensar suas obras e seis meses na tentativa de justificá-las, em vez de fazer o contrário..."
Eu continuo... Basta uma patética e falsa postura, gestos afetados, uma ou outra frase, mais ou menos elaborada, e nosso candidato torna-se um artista na mãos de marchands ávidos por divulgação e aparição. Arte? Ah, isso... faça uma instalação. Misture materiais rústicos com atuais, chame a tal intervenção do público. Não gostou? Justifique a incompletude como metáfora da existência humana, é simples, todos gostam da frase, até alguns críticos. Soa bem. Quer chocar? Decepe, decapite, exiba órgãos putrefatos, fetos em decomposição, cavalos empalhados, close-ups de genitálias. Simples. Arte, não?
Não. Esses sujeitos, com algumas exceções, ou são pobres coitados que se iludem com o que fazem ou estão muito conscientes do papel ridículo a que prestam. Mas quem vai lhes cobrar? Que público? Este que vai a Bienal como se fosse a exposição de fotos do casamento de alguma celebridade? Duvido. Assim vamos. Antes a arte era inacessível a população por ser considerada complexa – mentira. Agora, acessível, está diluída. A arte está falindo, perdeu seu significado - e não há nada de grave nisso, desde que alguém se proponha a enfrentá-la, novamente. Não é a toa que os poucos que estão conscientes disso colocaram chimpanzés para pintar.
Nesse mundinho de bárbarie de final de milênio, diríamos que a matéria-prima é a violência. Se tais artistas realmente se preocupassem em criar, pensar, elaborar, testar, discutir, encenar esta violência, eu até concordaria. Mas o andamento que dão é o de publicitários de si mesmos, de simples expositores do caos. Nada mais. Daí tanta escatologia que não chega a lugar algum, nada, esta tentativa de reaproximação com o sexo em imagens cruas, desprovidas até de estética, tão precárias que são suas propaladas instalações. Além do mal-estar, que passam? Nada. E até o mal-estar, caros artistas, passa, logo na esquina às vezes. Sem mal-estar, o que sobra destas obras? Nada. Nem sobrará, estejam certos. Por quê? Porque Mainardi está com a razão - porque estes artistas gastaram dez minutos para pensar e fazer sua obra e seis meses para justificar!
Então, quem diria, correto estava um roqueiro inglês de cinquenta anos, para quem a arte virou um painel vazio exibindo horrores banais.

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